terça-feira, 17 de novembro de 2009

Vivendo e aprendendo a jogar


Observando um grupo de crianças brincando, percebemos como varia a intensidade com que cada uma se relaciona com o jogo. Há as que se colocam no meio do campo na queimada e aquelas que se escondem nas beiradas, há as que são os primeiros a correr no pegador e as que nunca saem do pique. Há as que jogam a primeira mariazinha bem alto para dar tempo de pegar todas as outras, há as que, prudentes, jogam bem baixinho. O jogo é a tensão entre a entrega e a necessidade de autoproteção.

Quando somos pegos ou queimados, conseguimos avaliar onde foi que erramos. Há ainda um outro tipo de perda _ aquela que foge ao nosso controle. Um jogo completo deve associar estratégia e sorte, porque há situações em que nossas estratégias mirabolantes escoam num simples lançar de dados. A morte, o curinga, a chuva e o par ou ímpar são exemplo das nossas limitações e da nossa humanidade. Se uma sorte teima em se repetir, é chamada de dados viciados_ um jeito que a estratégia tem de se vestir de sorte.

Quando os adultos simulam a vitória das crianças, lhes dão sinais de condescendência, que é a desonra total do jogador. Muito diferente da “carta branca” que declaradamente relativiza as regras para manter no jogo os mais novos, que sem esse recurso, não experimentariam novas habilidades. Para admitir a carta branca, as crianças têm de entender que existe uma hierarquia de habilidades, mas que também os mais hábeis se tornam de alguma forma mais responsáveis. Percebo uma forte tendência na cultura da criança contemporânea-urbana para mascarar a vitória e a derrota. Como que tentando frear o individualismo e a competitividade, evitamos a relação, a entrega e todos os riscos. Jogamos a criança fora, junto com a água do banho.

Do outro lado do time, há os adultos que criam dificuldades na vida das crianças a fim de prepará-las para o pior. Ora, como se já não houvesse suficientes pedras no meio do caminho de qualquer um.

O brincar é tudo isso... envolve coragem e autopreservação. Brincar bem é arriscar sem se comprometer gravemente. Por isso, os joelhos escalavrados. Por isso, o pique.


_Cibele_

6 comentários:

Claudia Souza disse...

Que post lindoooooooooooooooo! AMEI, sócia. Você se superou =*
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Aqui entre nós, o que você acha das crianças que "roubam" no jogo? Como agir nessas situações? Revelar o "roubo" ou fazer vista grossa? Lembra que a gente já falou disso aqui uma vez a propósito de um artigo do Marcelo Coelho?

Li7 disse...

Olá, Cibele quinteira! ;)

Andei meio ausente, mas vejo que o trabalho de vcs aqui continua show de bola! Parabéns!! Ah... parabéns pela dt natalícia tb! o/
Quanto ao post, aproveito para dizer que é bastante pertinente às reflexões de nosso tempo. Crianças não soltam-se aos riscos, às aventuras, às descobertas do jogo e da brincadeira, como o foi em outra época. Certamente existem outros ganhos, mas o que tem se perdido basta para trazer preocupações. Em um tempo, não se ouvia falar em medo, a não ser o do escuro ou do "velho do saco"... quando se perdia ou ganhava, era no brincar, preparando a gente pros desafios e tropeços do futuros. Hoje, o espírito da competitividade adquiriu um formato mais derradeiro desde a infância, ou se ganha pra vida, ou se perde pra ela.. e muitas vezes, os pais expressam suas angústias sobre o sucesso dos rebentos, agravando a pressão. Mas, há aqueles que aterrorizados com a dureza do impacto, procuram amaciar ao máximo, engambelando as vitórias, e o filhote chega a acreditar na conquista superficial e ilusória. Difícil achar a justa medida. Parece que ela se aprende com a liberdade de experimentar a vida, começando por uma forma rica e cheia de significados: o brincar. A gente sabe que as novas gerações sempre acrescentam mudanças, e oxalá as próximas afirmem a infância, a juventude e a maturidade, cada qual em sua fase própria, com tempo suficiente pro aprendizado e as riquezas que lhe cabem, não é?
beijo grande!

Cibele disse...

Ô, Lis, mas isso é que é presente de aniversário...Muito obrigada pela visita e por deixar o nosso quintal ainda mais legal...
Beijos

Ci disse...

Clau, depende da criança, né?
Se é uma criança que não joga sem esse recurso eu corrijo, ou provoco o trapace do adversário praele reclamar...hahahaha... Mas se é uma criança muito certinha, sem jogo de cintura, aí eu faço vista...e tem a forma como as crianças denunciam o trapace, né?

Cibele disse...

Só não vale perder o humor e a leveza, né, Clau? Seja em nome da justiça do jogo, seja em nome da vontade de ganhar do trapaceador...

Claudia disse...

ha ha ha mas jogo pra eles geralmente é coisa seríssima, de vida ou morte! Eu lembro do Davi se descabelando pra tentar ganhar de tooodo jeito, e ele sempre foi tão fixado em justiça (esse cara é um advogado nato, pode até não vir a ser advogado, mas tem o dom ha ha ha) que enlouquecia pra ganhar sem trapacear. E às vezes não dá, porque como disse a Monique Deheinzelin uma vez, num jogo está sempre incluído um lance de dados...Ele fazia a sua parte e mesmo assim perdia. Era a morte pra ele, chorava, esperneava... até que se resignou. Eu deixei rolar a coisa, mas continuei brincando com ele, e muito! Brincar fez ele mudar de atitude.

 
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