Quase toda cultura lança mão de figuras míticas e de lendas pra fazer com que as crianças obedeçam, seja através de prêmios ou de castigos e ameaças. E’ um modo que os adultos tem de lidar com a forte oposição/resistência das culturas infantis diante da imposição das regras de convivencia social, muitas vezes tão distantes das concepções das crianças.
Pensando nesse assunto nessa época do ano, me vem logo na cabeça o famigerado Papai Noel, que de figura mítica foi transformado em caixeiro viajante. Como é que as crianças podem acreditar que aquele sujeito fantasiado que circula pelos supermercados possa ser um velhinho mágico que voa numa carruagem de renas e traz presentes? Papai Noel virou um exemplo de como as crianças se deixam levar por certas explicações absurdas dos adultos de um modo jocoso, quase irônico, e muito compassivo, já que qualquer crença é rapidamente perdida nas informações óbvias do cotidiano.
A antropóloga Kathleen Barlow (1985) estudou o povo murik, uma comunidade de pescadores da Papuasia, povo animista cuja cultura é povoada de espíritos do bem ou nem tanto. Um desses espíritos é o Gaingeen, que aparece às vezes na vila pra perseguir e bater nas crianças (mas só se consegue pegá-las, coisa que raramente acontece). O personagem (que não fala, mas exprime suas intenções com gestos ameaçadores, chutando e balançando as lanças e os bastões que leva sempre consigo) pode ser pavoroso e portanto útil por um tempo, mas com o crescimento fica fácil observar que ele não aparece sempre que é invocado, além de não ser raro surpreender os irmãos mais velhos enquanto se fantasiam. Dai à intuição de que o gaingeen “verdadeiro”, aquele que aparece na vila, poderia ser também uma máscara, é um pulo.
É’ o preço (alto) que as culturas adultas pagam por querer personificar essas figuras, que ficariam melhor se fossem restritas ao campo da ficção.
_Claudia_
Um comentário:
E amanhã se comemora aqui na Italia outro desses personagens, a Befana. Dizem que ela traz balas e bombons pra meninada boa e carvão pras ruinzinhas. Ganhei uma meia cheia de guloseimas, mas só poderia abrir depois da meia-noite de hoje. Preço da desobediência: um piriri. Obviamente como fazem as crianças desobedientes hehe desobedeci. Depois eu conto se tive piriri ou não.
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