Esse fim de semana fui contar histórias da tradição popular brasileira numa biblioteca aqui da província de Milão.
Eles estão hospedando uma parte de uma mostra anual de ilustrações, muito importante por sinal, a mostra de Sàrmede, cuja sessão principal está no Castello Arengario de Monza. Este ano, o país escolhido é o Brasil. Diversos ilustradores do mundo todo ilustraram contos brasileiros (todos indígenas, diga-se de passagem, porque cultura brasileira pra infância aqui na Europa é sinônimo de cultura indígena. Mas isso é uma longa história).
Mas enfim… acabei conhecendo, através da bibliotecária, a versão européia da História da Dona Baratinha. Em espanhol se chama “La ratita presumida” (A Ratinha prepotente), em italiano “La topolina civettuola”.
A base é praticamente a mesma: a Ratinha encontra uma moeda e vai pra janela procurar um marido. Passam os animais (boi, asno, cabrito) e ela, depois de lhes propor casamento, vai pedindo pra escutar seu ruído (o texto estimula o leitor a reproduzir cada “voz”). Todos a assustam até que aparece o Ratinho, ela o escolhe, se casam e são felizes para sempre.
Na apresentação da Editora Kalandraka vem escrito que “trata-se de uma grande novidade no gênero álbum ilustrado, pois o texto lembra uma representação teatral e propõe muitas ações a quem a conta”. Coisa rara por aqui.
As diferenças entre as versões brasileira e européia começam pelo casal de protagonistas: na versão européia um Ratinho só pode se casar... com uma Ratinha! Baratinha com Ratinho é absurdo. O lógico ululante, sem nenhuma surpresa ou subversão. Outra coisa é a própria estrutura do conto. Muito linear, enxuta demais, sem nenhuma emoção. O final é previsível e enjoado: os dois se casam e ponto. Outra coisa que notei foi que na versão européia vem inserida só uma musiquinha mínima, e ainda daquelas de tra-la-lá, bobinha-bobinha. Além dela, indicações de tocar um sininho. Nada a ver com as canções complexas do nosso Braguinha.
O final da Dona Baratinha original é bem dramático: João Ratão cai na panela de feijão e morre. Braguinha tentou contemporizar(ele não morre, mas fica feio e estrupiado, e assim a Baratinha desiste de se casar com ele). Uma educadora no público me disse uma coisa sensata: seria menos “violento” se ele tivesse morrido! Ser rejeitado por ter ficado feio é muito mais dramático!
Mas com certeza contar ou ouvir a Dona Baratinha é muito mais interessante que essa história de ratos bem-comportados (mesmo se, como sempre, seja ilustrada com todo primor). Essas e outras me fazem perceber como a alma do povo brasileiro me agrada. A gente pega os conteúdos dos colonizadores e dá uma veste toda subversiva. E decididamente mais criativa!
_Claudia_
5 comentários:
Sem falar que não é uma morte qualquer. É uma morte numa panela de feijão! O cúmulo do regalar-se. hahahaha
Pelo que vc nos conta, Clau, a nossa história é mais moralizante, não?
É sim. Mas a versão européia é tão sem sal! Mesmo sendo mais moralizante, acho a Dona Baratinha mais interessante como literatura.
Sem sal e mais um tanto de tempero, né, sócia...alho, cebola, folha de louro...
Esse anônimo aí em cima sou eu mesma...hahahaha
Então, Anônima Ci hehehe é isso que eu acho. Literatura boa tem de ser bem temperada, senão não dá!
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