Saí da neve pra chuva e depois voltei da chuva pra neve. Foram 21 dias de chuva em Belo Horizonte, daquela chuva direto, que não da trégua. E agora Milão toda branquinha.
Fiquei lembrando do tempo em que eu era diretora do
CLIC e vários pais, nesse período, vinham me sugerir de colocar um daqueles tetos na área externa, pras crianças poderem continuar aproveitando o espaço aberto. Pra quem não conhece, o CLIC é um quintalzão, a área interna (projetada como casa normal, não escola) é relativamente pequena, é quase tudo um grande pátio no meio de árvores centenárias. E eu sempre resistia a essa idéia porque esse período de chuvas era vivido de um jeito muito especial ali. A gente recolhia as crianças, inventava mil maneiras interessantes de estar dentro de casa. Era o período da contação de história debaixo de cabanas de chita, dos jogos de mesa, de culinária, de brincadeiras no escuro, dos barquinhos de papel, das piscinas de insetos, das poças d'agua, dos diques de pedrinhas e tantas outras coisas que a gente guardava cuidadosamente pra essa época das chuvas.
A natureza é importante pras crianças exatamente porque traz essa dimensão poética da transformabilidade. E viver as transformações climáticas é fundamental pra entender um monte de coisas. No Brasil, essas transformações já são tão pequenas (nosso clima é abençoado por Deus!), na prática temos só duas estações, a chuvosa e a seca. É importante pras crianças aprenderem a "ler" o clima, a senti-lo através do ar, como fazem os camponeses. O fechamento e a estrutura das cidades lhes retira essa dimensão.
Devo dizer que vim a conhecer as estações do ano aqui na Itália, como são de verdade (antes eu tinha visto só nos livros de escola). Aqui é tudo marcado, como se fosse desenhado a bico de pena. O ambiente muda completamente segundo as 4 estaçoes e as crianças acompanham isso, poeticamente. Esses dias, tenho caminhado muito por Milão, passeando com a Fernanda Climaco, professora do Libertas, que veio me visitar, e a gente ainda estava comentando sobre isso. Por todo canto, a gente viu as crianças desfrutando da neve. A cidade está toda coberta e lá estão elas, deslizando nas pequenas colinas em cima de bóias de câmera de ar, fazendo guerras de bolas de neve, construindo bonecos, ou até simplesmente caminhando seguindo as pegadas de outras pessoas.
Como a gente aí no Brasil, de um certo modo, fazia com as chuvas. Ahhhh, as enxurradas! Eu adorava descer ladeira abaixo em cima de um papelão, levada pelas enxurradas.
"Tá" certo que agora isso não é mais possível, mas pelo menos vamos deixar as crianças desfrutarem das chuvas de um modo significativo. Seja sendo recolhidas pra atividades diferentes dentro de casa, seja olhando os raios e trovões da janela, seja até pisando nas poças d'agua (não faz tao mal assim!).
Essa pobre geração Shopping Center precisa muito da natureza pra rebater a quantidade absurda de informação plastificada que recebe todo dia.
_Claudia Souza _