domingo, 5 de setembro de 2010

Diário da Amazônia – parte 3

E mais esse trecho da experiência da Regina na floresta Amazônica. Quintarola é mergulho na Natureza =)

6. GENTE DAQUI, VIDAS EXTREMAS

Em duas semanas de Xixuaú aos poucos vou entrando na vida das pessoas daqui. Solidariedade e camaradagem, companheirismo e leveza, mas também jogos de poder, fofocas e lutas internas entre os membros da comunidade em relação às decisões pequenas e grandes, votadas em reuniões. Na história desse grupo que não chega a 100 habitantes, dramas extremos e relações contorcidas. Ouço falar de filhos anormais, frutos de incesto. Da mãe que deu seu filho para outra mulher criar porque seu homem não queria ficar com o bebê. Da família que se apropriou de um sobrinho para salvá-lo da violência doméstica. Do jovem que jogou ácido em toda a roupa da namorada por vingança, ainda bem que não jogou ácido na própria. Da morte de uma menina de 9 anos por veneno de escorpião porque a única pessoa capaz de aplicar uma injeção de cortisona não teve coragem de fazê-lo. Do rapazinho que, financiado pela comunidade, fez um curso de informática em Manaus e voltando pro Xixuaú só fazia beber e brigar, sendo logo expulso. De outros dramas com final feliz, como o do menino que sem querer deu-se um tiro de espingarda na cabeça e foi operado por um dos líderes da comunidade, que seguia passo a passo as indicações de um cirurgião toscano, via skype. De um homem, oito filhos, violento e alcolizado, que depois de muito aprontar finalmente largou a cachaça e hoje é um dos líderes da comunidade.

7. NOMES

Os nomes do povo daqui são de indiscutível (ou discutivel) criatividade: Fadison, Everton, Igleson, Helon, Messias, Raynick, Francilane, Aldenisa, Zuíla, Deyseane, Kellen, Kerly, Kerlin, Renan, Renildo. Os apelidos não deixam por menos: Pimpim, Tabaco, Pelado, Taco, Cachorro, Cabeção e assim por diante.

8. GENTE DO MUNDO, GENTE DE PASSAGEM

Grande expectativa pela chegada de 8 pessoas de uma vez só, 5 turistas italianos e três pesquisadores, dois ingleses e uma brasileira. E um americano que foi roubado no barco e que chegará dois dias depois. Muitas histórias, cada qual a sua, os italianos todos jovens super motivados e deslumbrados, os cientistas experientes em Amazônia e apaixonados por seu trabalho. Saio de manhã na canoa com um dos italianos, o passeio é um presente da natureza: além dos inúmeros pássaros (tucanos, araras, corocas, corô-corôs e outros) deparamos com dois bandos de macacos minúsculos e uma família de ariranhas curiosas que circundam a canoa e nos sorriem. É o dia em que meu pai faria aniversário, me emociono muito e agradeço pelo presente.

9. AVATAR

O passeio de canoa é como um mergulho no mundo de Avatar, o filme. Percebemos a força da natureza, da criação, do ciclo da vida, se vislumbra que fazemos parte daquilo tudo. Tem uma libélula branca miudinha parecida com as flores voadoras do filme, flutuam graciosas e delicadas, uma maravilha em que me perco a cada vez.

Sair de noite na canoa é como cair no vazio do silêncio, uma paz antiga, um sono ancestral mas vivo. Comunhão e presença.

10. MAIS BICHOS

O meu despertador às seis da manhã é o canto alto e lúgubre dos macacos guariba, um verdadeiro filme de terror. Na primeira vez que ouvi pensei que fosse o Barry roncando no quarto ao lado do meu, e ele pensou que fosse eu!

No outro email esqueci de contar de dois sons de bichos:

a coroca: estava no lago de canoa quando ouvi o canto da coroca, pássaro preto que tem as asas de um azul escuro e profundo, muito bonito: o canto dela é igual a um pum barulhento! Será que é daí que vem a expressão velha coroca, velha peidona?

Volto a falar de borboletas. A variedade é incrível, seu design e cores deixam qualquer Versace ou Dolce e Gabbana no chinelo. Impossíveis de fotografar.

11. DESPEJO

Por conta da chegada dos gringos tive que me mudar pra casa da Laura e da Maddalena. A última casa da aldeia, quase dentro da floresta. Muitos os sons novos, cantos de pássaros que ainda não tinha ouvido. Na casa tem um casal de gatos que adoram ficar na minha cama, carentes como quê. E as crianças, que se acostumaram a vir desenhar, convidadas pela Laura, se encantaram com a minha boneca com caixinha de música. Tive que escondê-la para evitar que cometam pecado de furto, visto que aqui as portas não tem tranca.

Regina Marques

Vejam aqui as fotos das gentes e outros bichos de Xixuaú.

_Claudia_

Um comentário:

Cibele disse...

Então, Clau, esse último pedaço, sobre a possibilidade de furto da boneca, me incomodou um pouco...

Não conheço de perto a cultura em que ela está inserida, mas me parece que o fato das portas não serem trancadas é sinal de que o pecado do furto não deve ser tão frequente...ou quem sabe ele é mais aceito...fiquei parte curiosa, parte incomodada...

No mais, o relato continua lindo...

 
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