segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Mulher que ensina, criança que aprende

Sherazade Escrever para crianças é basicamente uma atividade feminina. Mesmo se existem diversos (e importantes) escritores homens, se não me falha a observação, a maioria avassaladora de autores de livros infantojuvenis é de mulheres. O mesmo para as editoras voltadas para este público, cujas diretoras são principalmente mulheres.

Como consequência, temos um ambiente muito próximo àquele educacional, onde a grande maioria são também mulheres. Não é de se estranhar então a tendência de colocar a literatura “a serviço” da pedagogia, considerando ao mesmo tempo o texto literário um instrumento pedagógico e a criança-leitora como aluno. De fato, a grande maioria dos livros infantojuvenis publicados no Brasil hoje têm caráter nitidamente “educativo”, sendo a Escola o maior consumidor do Mercado Editorial. É o primitivo (arquetípico) binômio mulher que ensina-criança que aprende em plena ação.

Coisa pra ser amplamente questionada. Literatura não é coisa pra viver amarrada, mas para “amarrar”, no sentido de envolver, como bem fazia Sherazade nas Mil e Uma Noites (imagem).

Que ensina, claro que ensina: há muito tempo aprendi que buscar a verdade na literatura é muito mais útil que buscá-la nos fatos (isso vale pra História, pra Socilogia, pra Psicologia…). Mas uma Literatura Infantojuvenil que se preze é muitas vezes anti-pedagógica, politicamente incorreta, violenta, fiel apenas aos princípios (e aos desvios) da própria narração. Fazer boa literatura, principalmente para crianças, é contar as histórias como são, sem nenhum objetivo secundário que submeta este importante ponto de partida. Sob pena de perder o significado e a força.

Tome-se como exemplo os contos populares. Desde os mais antigos, os contos de fadas, escritos a partir da tradição oral. Compare a versão dos Irmãos Grimm (Alemanha) com as de Charles Perrault (França), ambas do final do século XVII, início do século XVIII. Enquanto os irmãos alemães se deixam levar pelo deleite dos elementos simbólicos que só fazem enriquecer sua narrativa, seu contemporâneo francês as utiliza como “instrumento de moralização e educação”. Não é difícil avaliar a diferença da força de uma e de outra versões dos mesmos contos.

Quando um escritor (e principalmente uma escritora) renuncia a ensinar, tem muito mais chances, na minha opinião, de produzir textos que falem diretamente aos pequenos leitores, para além do lugar de aluno.

_Claudia_

8 comentários:

Cibele disse...

Boa reflexão, Clau! Você traça bem duas forças aparentemente opostas, o pedagógico e catártico. Só para embaralhar um pouco as coisas, não seria também legal pensar sobre o que ensina o catártico? Não haveria ali também um aprendizado? Não poderíamos falar apenas uma inversão dos pontos de vista? Se na leitura pedagógica o aprendizado se dá via discurso do adulto (mesmo que na boca de um personagem infantil), o aprendizado catártico não seria ainda um aprendizado, no entanto vivenciado? Que que experiência humana válida está livre desse efeito de produzir um significado? Nos Grimm, por exemplo, o pedagógico não poderia estar presente na garantia de um final feliz? E se as minhas perguntas apontarem para algum outro lugar, o maior problema do politicamente correto não seria justamente enfraquecer o aprendizado? E por fim, assumindo a necessidade do pedagógico, nas discussões de gênero desses contos, por exemplo, o maior problema não seria a forma superficial e reducionista como ele é geralmente colocado? será? será?

Claudia Souza disse...

Pois é, Ci, a resposta pra todas as tuas perguntas é sim, sim, sim. Está em superar essa oposição fictícia entre catártico e pedagógico e pensar mais no ato de aprenderque no ato de ensinar. A criança muitas vezes aprende APESÁR do professor, e isso é cada vez mais comum num mundo em constante transformação. A Escola como instituição e a pedagogia como técnica não tem acompanhado o mundo. Esse é um ponto. O outro é que, nem se o fizessem, seria bastante, pois é o caráter fundamental da Arte (e a literatura é uma Arte) estar sempre na frente na construção de sentidos, de produzir Cultura.
Beijo!

cibbelecarvalho disse...

Isso, isso...vou discordar de mais uma coisita...que a pedagogia seja técnica (a Didática talvez seja)...Eu não sei se porque não fiz pedagogia e ando flertando com a pós em Educação, o que é diferente, mas vejo ali uma completa aversão a metodologias. A ponto de se dar o inverso total da coisa. Negando qualquer metodologia compartilhada e acreditando no professor crítico e que vai criar sua própria metodologia. Como se o professor tivesse condições (tempo, salário e formação) para fazer isso. por isso um investimento pesado na teoria crítica, que leva todo educador a saber o que não se deve fazer, mas quase nunca ao que se deve. Mas aí é outra história...E por falar em história, as suas, sócias, são o equilíbrio perfeito entre o catártico e o pedagógico. A princesa, por exemplo, tinha tuuudo para ser pedagogizante e repleta de discursos politicamente corretos sobre gênero, no entanto, a questão fica posta, mas só como questão, né? Cheia de nós, que são os nossos mesmo...beijos

Claudia Souza disse...

Olha, Ci, a Pedagogia, segundo me parece, pode ser definida como técnica na medida em que sua existência se destina a "concretizar" os conteúdos e indicar principîos, métodos ou sistemas das práticas educacionais. O problema é justamente quando se pretende muito de uma técnica, mais do que ela pode ser...ou oferecer.
Você disse pós em Educação... aqui na Italia, por exemplo, não existem faculdades de Pedagogia, mas cursos de Ciências da Educação. A Pedagogia é uma disciplina desses cursos.

Cibele disse...

Eu acho que a pedagogia é uma ciência e o que a difere da educação é que a última (tb ciência) trata dos processos de transmissão/socialização de forma mais abrangente, enquanto a pedagogia lida com meios escolares.

A pedagogia não é só técnica, embora seja constituída de teoriaS e técnicaS diversas.

E como te disse, Clau, o que vejo dentro da academia é um verdadeiro PAVOR das metodologias e técnicas, o que me parece um exagero. Como vc bem disse, o problema é esperar delas mais do que podem dar, mas daí a não esperar NADA delas é outra história.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Pedagogia

Daniele disse...

Oi, meninas,
O Bartolomeu Campos Queirós disse certa vez, numa entrevista, que ele escrevia livros sem pensar no público infantil, mas calhava de as crianças gostarem do que ele escrevo. Algo assim. Para mim, isso é que é literatura, diferente de livros para criança/livros brinquedo/livros com intenção pedagógica, etc. O livro de qualidade para criança é literatura que agrada também ao adulto, quase sempre.
Beijo.

Daniele disse...

Desculpem o ato falho: onde se lê "escrevo", lê-se "escrevia"...

Claudia Souza disse...

Oi, Daniele. Concordo plenamente.
Ci, continuo achando que é técnica, não ciência.Pra mim pra ser ciência precisava ter mais elementos, que faltam à Pedagogia. Pra mim é um conjunto de técnicas e fica por aí mesmo hehehe A discussão é longa também com relação à Psicologia, será ciência ou não?
Mas quem sou eu pra elocubrar sobre esses conceitos tão vagos. O próprio conceito de ciência está cada dia mais vago e é bom que seja assim, significa que estamos temos mais CONSciência das coisas... Eu sou uma que faz o elogio da vagueza.
Beijos pras duas!

 
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