segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Entre um tempo e outro

Nas minhas longas férias – maiores que o desejável, porque sem crianças pra trabalhar fico a ver navios durante quase 3 meses aqui no verão europeu – estive sempre atenta pra “pescar” o que pudesse sobre Cultura da Criança, Cultura Popular e Cultura Lúdica pra compartilhar com vocês, leitores do Quintarola.

Depois dos anões de jardim, que encontrei perdidos e trancafiados numa cidadezinha de montanha =), vou começar uma pequena série de posts com essas minhas observações/impressões, sempre que possível documentando com fotografias.

Verão na Itália é sinônimo, além de viagens, de festas populares de rua. Cada cidadezinha que você visita organiza a sua sagra, parecida com as nossas quermesses no Brasil, com grande referência religiosa (geralmente homenageiam algum santo) e girando em torno de um prato típico da região. Delas participa toda a gente, com entusiasmo. Seja na organização, seja desfrutando dos quitutes delicadamente preparados pelas senhoras do local ou dos vinhos da região, ou até deixando-se levar pela música típica em danças (pra mim muito engraçadas!) de grupo. As crianças comparecem em massa e não existe nenhuma distinção nem controle (coisa rara por aqui). Circulam livremente pelas praças até altas horas da noite, ajudam a servir, dançam no meio dos adultos, se divertem como faziam suas coetâneas de 800, 1000 ou até mais anos atrás, quando brincar era atividade comum a crianças e adultos.

Algumas cidades, como Cortona, Siena e Fermo (esta última por onde passei esse ano), colocam nas ruas as suas contradas, que são os antigos bairros dos burgos medievais, em desfiles típicos e cavalgadas. Cada contrada traz, em desfile, seu grupo de sbandieratori, formado de adolescentes com hábeis movimentos das bandeiras-símbolo de sua contrada (essa foto não está muito nítida, cliquem nela pra vê-la maior);

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seus tocadores de tambor, que dão o ritmo ao desfile;

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seus figurantes vestidos a caráter, estilo medieval, entre damas, cavalheiros, camponeses, artesãos, comerciantes, etc;

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seus cavalos que participarão do Grande Prêmio no dia seguinte ( o Palio di Siena é famosíssimo no mundo todo, mas a Cavalgata della Assunta em Fermo não fica atrás em importância).

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Enfim, é uma continuação viva dos tradicionais desfiles que, na Idade Média, realizavam as famílias importantes da região, os senhores feudais, com seus vassalos (os maiores vêm na frente, trazendo a cabeça erguida, e os fracos humildemente, vêm atrás, como na vida – lembrei dessa canção do Vinícius de Moraes na Arca de Noé) pra demonstrar e reafirmar seu poder territorial.

As famílias que puxam o desfile são descendentes diretas dos antigos senhores feudais e se ocupam em manter viva a contrada. E as crianças medievais também estão lá, bem representadas em seus trajes indistintos dos adultos e conduzidas pelas amas (tata) , que em geral eram damas de pequena estatura. A diferença nas roupinhas refere-se à diferença de casta social: os nobres com coletinhos e saiotes de veludo, os camponeses em algodão. Mas todos com as cores da contrada.

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Fotos minhas

Estas mesmas crianças crescerão no ambiente da contrada e em breve ocuparão outras posições no desfile de véspera de Ferragosto (grande festa popular de verão na Itália, realizada no dia 15 de agosto). Adolescentes, levarão as bandeiras ou tocarão o tarol; mais velhas, serão as damas e cavalheiros ou até quem sabe poderão conduzir o cavalo no Grande Prêmio; já anciãs, continuarão desfilando no papel de grandes lordes e condessas.

As contradas funcionam um pouco como as escolas de samba no Brasil. São verdadeiras comunidades, centros sociais, onde as pessoas podem conviver, trocar experiências, trabalhar e crescer juntas. Os sociológos e antropólogos costumam medir o grau de civilidade de uma cultura em termos de suas associações culturais. Crianças que crescem nesses ambientes com certeza desenvolverão um sentido de grupo, de pertinência importantes para a construção da sua identidade de cidadãs.

Aguardem novos posts dessa série. Vai ter parlenda de brincar com o rosto (igual janela-janelinha) em italiano, um parque infantil super lindo e interessante, a Fundação Miró em Barcelona e a infância de Antonio Gaudí.

_Claudia Souza_

2 comentários:

Anônimo disse...

Linda toda a série de posts. Fabuloso acompanhar o olho de uma educadora brasileira na cultura mundial parabéns! pela sensibilidade e pela propriedade.
Lélia

Claudia Souza disse...

Oi, Lélia.
Obrigada, e que bom você ter gostado.
Abração!

 
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