domingo, 1 de maio de 2011

A cultura da criança institucionalizada


Na medida em que nenhuma criança escreveu ainda tese, dissertação, artigo ou blog sobre a sociologia da infância, podemos considerar que a cultura da criança é aquilo que o adulto chama de cultura da criança. Parece haver um recorte, uma seleção adulta à cultura da criança.

A emergência da sociologia da infância não é independente do debate social em torno dos direitos da criança, como mostra a soióloga francesa Sirota, de forma que muitas vezes o discurso político e o científico se entrelaçam. A sociologia da infância surge e cresce como parte desse esforço de reiteração de uma infância que se mostra ameaçada.

Sendo assim, caberia alargar os domínios da cultura da criança também para aquilo de que as crianças se apropriam a despeito do discurso dos educadores-pesquisadores: a cultura de massa, a cultura escolar e por aí vai.




Vista pelo prisma da cultura da criança pura, a criança real não existe. Vista em sua complexidade, a cultura da criança contemporânea com quem “convivemos” nos parquinhos de shopping, nas praças, nas festas de criança e nas escolas (lugares em que as crianças estão, temos de admitir) é uma mistura de Discovery Kids, atividades de recreação transmitidas por monitores nas férias e atividades escolares.




E como toda cultura é arbitrária, não cabe fazer juízo de valor (o que não nos tira o deleite de abrir umas janelas pra chuva de palpites por aqui). Não parece absurdo afirmar que o peão e a finca, talvez não sejam mais artefato importante para a cultura da criança contemporânea, mas fruto do esforço de institucionalização de uma dada infância. Por vezes, esse esforço de preservação acaba colando e aí as crianças se apropriam dele. É o caso do barangandão, brinquedo de confecção obrigatória nas recreações escolares ou extra-escolares de toda meninada mineira, desde o lançamento do livro de Adelsin.



A cultura da criança urbana contemporânea está mais pra backyardigans do que para backyard. Sobre o mundo de Pablo, Austin, Tascha, Tairone e Uníquoa escrevi aqui. Se você não sabe quem é o quinteto, mas sabe o que é peão e finca, feche o livro ou blog e converse com uma criança perto de você.



E não, não acho que o mundo esteja de cabeça pra baixo. Vamos conter nossos impulsos apocalípticos. São só as crianças negociando com o mundo, como desde o princípio dos tempos.


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Vocês viram que a roda gigante do Parque Guanabara agora está virada pra Lagoa? Muito legal! Essa questão já me acompnahva desde 2009, vejam só! Viram também que o Parque acrescentou a atração A Incrível Mulher Monka? Ninguém lá em casa teve coragem de entrar, mas ficamos um tempão nos deliciando com a narração do locutor. Muito, muito bom!



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E o show Música de Brinquedo do Pato Fu? Um ótimo exemplo de como a infância não precisa ficar tãããão confinada! Como se não bastasse ser lindo, o show é também uma experiência diferente da relação entre adultos e crianças!


Bom restinho de fim de semana,



_Cibele_

6 comentários:

Claudia Souza disse...

Bom, eu acho que a questão está no que vem apresentado às crianças pelos organismos sociais e culturais (no sentido amplo da palavra). É lógico que espontaneamente prevalece a cultura de massa, mas micro-politicamente se pode fazer muito. No CLIC as pessoas nos perguntavam muito por que apresentar o peão ou a finca, se a cultura delas estava mais pros backyardigans como você diz, Ci. Alguns apostavam que não fariam sentido pras crianças modernas como fizeram pra nós. Mas a resposta confirmando o contrário era bem visível: bastava apresentar esses brinquedos e observar o efeito que fazem nas crianças, do mais puro encantamento. Súbito, imediato. Mesma coisa com as brincadeiras tradicionais. Ou seja, não é saudosismo, é reconhecer que certos artefatos e gestos pertencem à infância e que portanto precisam ser preservados.

Cibele disse...

Clau,
É só uma questão de fazer uma distinção entre o que pode ser considerado cultura e o que é esforço daquilo que ainda não é cultural, mas que pode se tornar, entendeu? É uma diferença entre o que já é cultura e uma certa ação pedagógica. O peão e a finca podem ser cultura da criança do Clic, mas não é, por princípio, cultura da criança em geral. Você tem razão quando diz que muito se pode fazer, e se se pode fazer, é porque ainda não está feito. A sociologia é descritiva, não é prescritiva. Ou seja, se a cultura é uma resultante de forças, nada impede que se lute. Mas que essa cultura da infância (do peão e da finca) está dada, isso não está não, concorda?

Claudia Souza disse...

Concordo!
Tem de trabalhar, tem de FAZER cultura. Mas Ci você não acha que, no fim das contas, cultura nenhuma "está dada"?

Cibele disse...

De certa forma sim, Clau, mas a cultura que está dada, no sentido em que eu tô falando, é a que no momento é mais vigente. A dominante. A legítima. Se achamos que essa (a dominante, resultante de uma combinação Discovery kids + escola)não é a infantil, caímos no mesmo erro, porque a cultura da criança vive um paradoxo engraçado. Por um lado é da criança, mas por outro, é dada pelo adulto num esforço de reiteração, de preservação que é pedagógico (ainda que não escolar). É uma cultura dada pelo outro, pelo estrangeiro. Seja a cultura de massas, seja o esforço de preservação daquilo que nós aqui no Quintal costumamos ter por cultura da criança.

Por isso venho me interessando pelo que escapa aos adultos e fica preservado por um esforço preponderantemente infantil. Se é que isso existe. Alguns chamam isso de zonas de transgressão. Talvez...Outros dirão que nada disso existe e que não há cultura infantil, mas que as crianças são nomeadas pelos adultos mesmo, à la psicanálise. Desse último ponto, tendo a me distanciar...

De todo jeito, vale a pena ler isso aqui como uma pilha de verdades provisórias. São alguns caminhos/escolhas que eu ainda estou tomando...

Adoro esse assunto! : )

Claudia Souza disse...

Bem, como você sabe, o Corsaro fala muito disso em seus trabalhos, principalmente no livro "As culturas das crianças". Não a caso no plural, as duas palavras. É o próprio conceito de "reprodução interpretativa".
"As crianças são atores sociais creativos e ativos capazes de produzir autonomamente culturas próprias e ao mesmo tempo de contribuir à constituição da sociedade adulta". Ele propõe uma observação constante do "jogo espontâneo" como parâmetro pra compreender mais essas culturas. Acho que é por aí, né não?

Claudia Souza disse...

OPS! CREativos não, CRIativos.
E NÃO POR ACASO, claro. Desculpem, é quase meia-noite aqui, o cérebro já está começando a hibernar.

 
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