quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

AvóDezanove e o segredo do soviétivo



Acabei de ler mais um livro do angolano Ondjaki. Vou me assegurando de que se trata mesmo de um grande visitador desse lugar-antigamente, a infância. Em Avó Dezanove e o Segredo Angolano, o narrador é uma criança que conta sobre a construção de um mausoléu que vai abrigar o corpo do ex-presidente Agostinho Neto e das conseqüências dessa obra monumental na vida de um bairro tranqüilo em Luanda. Alguns personagens já estavam em Os da Minha Rua_ Pi, o 3,14; Charlita, a única entre as irmãs que tinha óculos e o dividia na hora da novela; o Gadinho e o Paulinho. Dessa vez, não estão a brincar de 35 vitórias, mas a enfrentar a crueza da política através da fabulação.

Selecionei dois trechos exemplares:

“_ Tínhamos combinado que era de noite.
_ Mas o mundo está cheio de surpresas camarada, e temos que aproveitar. Agora, vamos ver como?
_É só esperar um bocadinho.
_O quê?
_É só esperar um bocadinho. Os olhos vão se habituar, vais começar a ver no escuro.
_Ver no escuro? Nunca vi.
_Mas vais ver. O escuro é como uma brincadeira. Acaba rápido
.”

Quieto a não pensar.
(...)
A inventar minutos meus dentro dos minutos do tempo?
A crescer com um coração e um corpo a fugirem da infância? “Alguém corre atrás do menino?”, a avó Dezanove costumava perguntar. O tempo me perseguia com um corpo de me assustar? Eu me sentia o mundo todo ali no pequeno largo da praia do bispo?”


É do próprio autor a idéia de que a infância é "um ponto cardeal eternamente possível". Um lugar. Um lugar é sempre fora da gente, é um convite ao visitante. No entanto, é só através do nosso lugar-memória que podemos acessar o lugar-infância. E aí estamos de novo próximos da percepção de Ana Paula Tavares em cartas trocadas com Ondjaki em que ela constata como as crianças crescem em segredo.
Por tudo isso, a sociologia da infância tem se utilizado do conceito de sociologia reflexa de Bourdieu, abandonando a perspectiva positivista ao mesmo tempo em que procura objetivar a sua própria perspectiva.

E é por isso que vez em sempre a gente acaba falando da nossa própria infância e do nosso lugar. Sujeitos que estamos a olhar as crianças pela ótica embaçada da memória.

_Cibele_

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