Imagem: Tarsila do Amaral
Aqui na Italia tem muita, muita tradição. Aliás, fico pensando como no Brasil tem pouca, como a gente é um país que se reinventa a cada Carnaval. Os italianos, ao contrário, podem levar anos pra mudar um sofá de lugar. (Em sentido figurado mas também literal). Faz parte da História deles ser assim. As crianças italianas já nascem e são educadas num universo assim.
Ontem, na casa de uma amiga, estávamos conversando sobre a tradição local de ligar dando os parabéns no dia do “onomástico”, que é o santo do dia. Tipo, no dia de Santa Cibele (existe uma? Não sei se existe, mas se não existir aqui na Italia te inventam uma, Ci!) eu ligaria/teria de ligar pra minha sócia dando os parabéns. E ai de mim se me esquecesse, a Cibele ficaria mordida de raiva pelo meu desdém. Pior que esquecer o aniversário dela.
A obrigação social de ligar pra família e os amigos mais próximos, pelo menos no sul da Italia de onde vem o meu marido, não é limitada ao onomástico, mas chega às beiras da patologia: contei uma por uma e atingi a incrível cifra de 13 vezes ao ano. Tradições ligadas a datas religiosas que eu compreenderia perfeitamente se as pessoas que as perpetuam fossem, pelo menos, católicas. Pra se ter uma idéia, um outro dia em que "se deve" comprimentar os familiares e amigos é o Domingo de Ramos.
Eu era a voz da discordância na conversa porque, enquanto pros italianos tudo isso faz parte da “cultura” local que deve ser preservada, pra mim é apenas tradição, repetição baseada num controle perverso das relações familiares (estendidas a um grupo de amigos). Porque pra mim cultura tem a ver substancialmente com SENTIDO. Se o Domingo de Ramos não tem sentido pra mim, não serei eu a perpetuá-lo como costume, muito menos a transmiti-lo e exigi-lo de meus filhos. Embora respeite quem o faz com sentido.
Cada sujeito constrói seus sentidos ao longo de sua História e uma tradição só é digna de se tornar Cultura se tem um sentido compartilhado socialmente. Ou seja, só levo adiante um costume que faz sentido pra mim, dentro dos MEUS princípios pessoais imersos na sociedade. Todo o resto é pura obediência.
As tradições podem até ser importantes pra família, mas que cada um leve adiante só o que é importante pra si e aceite o outro como é. Se a gente fosse (afetivamente) levar em conta o que é importante pra família de origem, nada mudaria no mundo, porque família é e sempre foi o representante social e psíquico do status quo. O sofá continuaria no mesmo vão eternamente.
_ Claudia _ (agora reflitam vocês sobre as datas comemorativas puramente comerciais).
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