terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Agora, sim : Os da minha rua


Sem dúvida alguma, Os da Minha Rua , do escritor angolano Ondjaki, é um dos melhores livros de literatura que li nos últimos tempos...

Começo pelo início do fim. Ondjaki afirmando: “A infância é um ponto cardeal eternamente possível”. Fica noutro lugar, mas pode ser revisitado. Lendo, vou me lembrando de algumas imagens e restaurando sensações.

Uma imagem: (o cachorro) mexia-se sempre devagarinho, bocejava, e era capaz de ir procurar um bocadinho de sol para lhe acudir as feridas. (...) O Kazukuta naquele olhar dele de remelas e moscas, às vezes, ele podia estar a pensar. Outra: Tirei os quedes vermelhos, tinha os dedos grandes, os mindinhos e os calcanhares muito irritados. E cheirava muito a chulé, eram, pra dizer a verdade, um quedes que não davam jeito nenhum, mas eu gostava deles. Não sei bem porquê.

Mesmo na infância angolana, podemos ver a infância de todos nós. As infâncias são muitas_ agolanas, brasileiras, palestinas, americanas, israelitas, japonesas, medievais ou pós-modernas. Mas as infâncias são uma só, por exemplo, na sua estrangeiridade (tomei a expressão emprestada de Walter Koan) em relação ao adulto. Quem não se lembra da angústia de ser pequeno no mundo dos grandes? De não entender todos os códigos (Não sei, eu era só uma criança dessas a olhar os mais velhos)? E de se saber sempre andarilho rumo a um o ponto cardeal ainda não visitado?

Uma sensação:
_Meninos, a tia Maria morreu.
Até tive medo, não daquela notícia assim muito séria, mas do que alguém perguntou:
_Mas podemos continuar a brincar só mais um pouquinho?

Outra:
Nós, as crianças, vivíamos num tempo fora do tempo, sem nunca sabermos dos calendários de verdade.

E Outra: é um pouquinho assustador, mas mesmo quando somos crianças, o antigamente já fica lá longe.

E outra mais: Eu brincava um pouco se houvesse jardim ou mesmo rua. Depois sentava-me no colo da tia Rosa e começava a “encher o saco”, como dizia Tio Chico. Começávamos a perguntar se já íamos embora, dizia que tinha sono e fome, só me respondiam que estava quase a chegar a hora de irmos. E vinham mais cervejas. Muitas mais.

Na rua, as crianças constroem comunas lúdicas, regidas por éticas e etiquetas próprias.
_Amanhã num queres me convidar para almoçar na tua casa?

Na rua, os adultos é que experimentam o não-pertencimento. Quando um adulto resolve interferir ou julgar uma brincadeira sem ser solicitado, em geral, mete os pés pelas mãos.

No fim do fim do livro, Ana Paula Tavares, em carta, afirma ao autor que teu livro dá conta de como crescem em segredo as crianças. Ou em um dialeto próprio.

Tudo isso pra ficar na cultura da criança, porque se fosse pra falar da linguagem poética, da delícia que é ler o Português de outros países, teríamos mais alguns posts.
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Aprendi as expressões angolanas matabichar (fazer pequena refeição, o desjejum) e pedir abuçoitos (pedir licença de uma brincadeira, similar ao nosso “altas”). Guardo aqui como numa coleção de achados.

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Quintarola Quizz
Quem conhece a brincadeira angolana “35 vitórias”? Fiquei curiosíssima para saber como é...Valendo um doce!
_Cibbele Carvalho_

9 comentários:

Anônimo disse...

Opa! Pra ganhar o doce vou ter de consultar as minhas bases!! O legal aqui de Milao é que tem menino do mundo inteiro. Nesse periodo ando fazendo umas oficinas em escolas e to encontrando uma Arca de Noé de crianças. Preciso me lembrar em qual delas conheci um menino angolano.

Anônimo disse...

Maravilhoso o livro. Deu uma vontade de ler. Entre outras coisas, me lembrou as coisas do Manuel de Barros, grande poeta da infancia.

Anônimo disse...

Pois é, Ci, eu tive essa mesma sensação de familiaridade com histórias de uma infância que parecia que seria totalmente diferente da minha. Beijão, Ju

Anônimo disse...

Há, e o livrinho que foi para a Ciça, que fala da infância no Japão, também me deu essa sensação. É bem diferente, mas tem qualquer coisa que lembra a gente, né? Ju

Sam disse...

Nossa, me identifiquei com tudo o que o escritor angolano vivenciou (a da cerveja foi impagável, hahaha), com sua leitura de adulto sobre sua própria infância. fiquei emocionada. algo que nos liga, que nos identifica universalmente.
bj

Anônimo disse...

obrigado amigos... escreve-se assim, para gente que nos lê com a mesma simplicidade com que, antes, nos despimos para escrever... este trata-se de um livro querido (e interno) para mim, com personagens reais - habitantes ainda do bairro da minha saudade, numa dessas ruas a que facilmente chamamos infância... e acho que escrevo para quem gosta de receber estas coisas... o lado silencioso das lesmas, o ruído quieto dos grilos... abraços... O.

Anônimo disse...
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Anônimo disse...

(sussurrando pra nao quebrar o sagrado silencio... Uma grande honra de verdade! O bonito de escrever é essa coisa coletiva de um-pra-um - esquisito mas verdadeiro...
E fazendo igual menino: Ondjaki, conta pra gente a brincadeira das 35 vitorias? :-))

Anônimo disse...

Hahahaha, Clau...corri e perguntei o mesmo pra ele por e-mail...ele adiantou alguma coisa, mas ficou de explicar mais depois...parece ser uma brincadeira d praia, em que deve-se acertar uma bola de trapos, foi a expressão dele, no outro...Me lembrou a queimada...

Mas bonito é ele descrevendo...

 
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