sábado, 7 de fevereiro de 2009

A Rua, o Quintal e a Praça


Foi a Clau quem apelidou carinhosamente a abordagem sociológica da infância de “infância de quintal”. Venho revirando esse termo tão sugestivo e pensando no que é uma infância vista pelo viés do espaço e mais, de um espaço quase extinto, já que as casas e seus quintais estão cada vez mais raros nas grandes cidades.

Aparentemente, faria muito mais sentido pensar hoje na infância de pracinha, assim como antigamente, na infância de rua. E porque insistimos na idéia da infância de quintal, correndo o risco de tomar cores muito idílicas? A infância de rua, sim, é lugar irrecuperável, já que seu território foi tomado pela noção do público totalmente descolado do privado. A rua não é de ninguém e por isso, não é lá muito confiável.

A infância de pracinha, por sua vez, é a solução dada para a “atopia” da infância. A pracinha oferece o sol matinal e alguns companheiros. Se o quintal é o espaço arruado da casa, a pracinha deveria ser o espaço caseiro da rua, mas não é assim que acontece.... Na pracinha, vejo crianças passeando (ou melhor, sendo passeadas) em carrinhos, babás uniformizadas e vigilantes para evitar qualquer arranhão de joelho, além de pouquíssimos atrativos e desafios. A pracinha não traz as marcas das crianças, não é construída por elas e por isso não é lugar (olha que conceito oportuno!).

Há no quintal, também em contraponto, o irresistível ser pra dentro. Ele é arruado, mas é da casa. A infância de quintal, de certa forma, prestigia o momento de estar sozinho como imprescindível para estar com o outro. E aqui me lembro da atriz Maria Luiza Mendonça, em entrevista à Marília Gabriela, dizendo que incentivava sua filha não a ser artista, mas a cultivar um ser artístico, a ter uma riqueza interior tal, que lhe permita estar bem consigo mesma.

Tudo isso não nos impede de aproveitar os momentos praças da vida, tal como esse, descrito sensivelmente por Fabrício Carpinejar ,ou de recordar as aventuras da rua como no livro Os da Minha Rua do escritor angolano Ondjaki. Mas para este livro, belo presente (autografado!) da minha amiga Ju Steck, dedicarei um post à parte.

Estou de volta e empolgada com as encomendas de temas para posts sugeridos pelos nossos queridos leitores. Quem quiser participar pode, a qualquer momento, botar o pé no quintal e gritar: “ô de casa!” Assim como fez a Elisa ali embaixo.

É bom voltar pra casa!

_Cibbele Carvalho_

7 comentários:

Anônimo disse...

Realmente muito boa essa distinção. Aqui em Brasília, nas quadras, as crianças descem para brincar embaixo do prédio. É bem típico da infância daqui. Era onde eu brincava de bete, pique-bandeira, andava de patins, jogava jogos de tabuleiro, subia nas árvores... Meus filhos "descem" bem menos, brincam mais no recreio da escola ou dentro de casa.
Beijão, Ju

Anônimo disse...

Bem-vinda!! Ufa, 'tava fazendo uma falta danada, socia!! :-)))
Nem sei se fui eu que apelidei assim ou se foi mais uma "conspiraçao de conceitos" - aqueles nomes que surgem simultaneamente em cem, mil cabeças afins. O fato é que o quintal pra mim sempre foi um lugar privilegiado, que nenhum outro vai poder substituir, e por isso mesmo o associo à Infancia.Mas as crianças e com elas a Infancia sao fortes. E hao de inventar e re-inventar lugares, simbolos, parametros pra continuarem bem vivas :-))

Elisa disse...

Sobre a rua, como lugar irrecuperável... bom acho talvez este seja o maior problema das cidades hoje em dia. E na verdade, acho que podemos fazer muito para tomarmos nossas ruas de volta, indo comprar o nosso pãozinho na padaria todos os dias a pé, usando o transporte público algumas vezes por semana, indo no restaurante/boteco do bairro, comprando jornal na banca, reclamando do buraco da rua, da lâmpada queimada do poste, cuidando da árvore, fazendo parte da associação do bairro, se informando sobre a coleta de lixo... enfim, a gente anda tão corrido e tão descolado da vida simples, que a gente esquece que cidadania começa na porta da casa, na nossa rua. E assim, a gente vai perdendo território e a rua, depois a praça, depois o bairro... a cidade, passam a não nos pertencerem mais. Isso é coisa de adulto, mas adulto também precisa de quintal, praça e rua. Eu preciso!

Anônimo disse...

Parabéns pela qualidade do blog. Sobre o post, me lembrei de quando meu filho, aos cinco anos, me disse, sentado na pequenina varanda de seu quarto: "Mãe,minha imaginação é meu quintal"...

Anônimo disse...

Ju, Brasília tem uma organização espacial tão particular, né? Por que as crianças não descem? É seguro ainda?

Ei, sócia! : *

Elisa, nesse sentido há algumas belas exceções, né? Há praças adotadas, ruas dominadas pela gente...ah, eu também preciso de quintal!

Quem será o anônimo que deixou o gentil recado?

Anônimo disse...

Quem será o anônimo que deixou o gentil recado?[2] Obrigada!!!
Eu vejo as ruas das grandes cidades de hoje como lugar de fluxos de anonimos. E as crianças estao perdidas elas também nesses fluxos que sabe-la-deus onde vao parar, porque a impressao é de que nao param nunca.
Eu tenho o privilégio de morar numa regiao ainda viavel onde as pessoas se conhecem e mesmo quem nao conhece se cumprimenta nas ruas. Adoro falar "Sera" pro vovo na bicicleta e pra senhora voltando das compras. Adoro ser reconhecida pela moça da papelaria. Adoro sorrir para as crianças da vizinha no saguao do prédio. Isso tudo é visibilidade social.

Anônimo disse...

hoje tava dirigindo ouvindo Minton, ontem fui dormir tarde lendo "Para Francisco" e "Nefertitebackhome", hoje dou um pulo aqui no Quintarola e me pergunto: Que leitinho com nescau especial é esse que as mamaes mineiras dao pra voces serem assim todas (os) tão brilhantes e cheios de poesia?

 
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