Quando cheguei em casa, encontrei na minha caixa postal um texto desses que circulam pela internet (e que são sempre atribuídos a alguém famoso) onde um menininho fazia perguntas engraçadas aos pais e acabava por concluir que Jesus é o Coelho da
Pensando na questão em primeira pessoa, lembrei do pavor que eu tinha da "Sexta Feira da Paixão". Primeiro porque tinha de ir à igreja beijar os pés do "Senhor Morto". A imagem era horrível, toda ensanguentada, cabelos de verdade... vinha encoberta por um véu como os cadáveres no caixão e, como os cadáveres no caixão era gelada! BRRRRR... As procissões, os ritos, tudo muito fúnebre, me causavam estranhos arrepios. Outra coisa esquisita era que, no meu lar genuinamente católico apostólico romano, nesse dia não se podia falar alto, nem cantar, nem ver TV (não comer carne era só um detahe porque a refeição era um delicioso prato de bacalhau). Meus pais e minhas irmãs mais velhas mantinham uma expressão sempre seríssima na Sexta Feira da Paixão, era como se alguém tivesse realmente morrido naquele dia. Lembro que, querendo rir ou brincar, eu e meu irmão nos escondíamos no fundo do quintal.
Depois pensei nas magníficas conversas entre as crianças sobre Jesus, Deus, coelho, ovo, etc, que já presenciei pela vida afora, absolutamente sem interferir. Conversas que, partindo das comemorações religiosas e dos símbolos disponíveis, acabavam esbarrando no sexo dos anjos, na vida e na morte, de um ponto de vista muito simples e muito complexo, como convém a crianças refletindo.
fotos minhas
A coisa em Taranto tem requintes de filme de terror: na quinta-feira, a procissão de Nossa Senhora das Dores, em que a imagem da santa desesperada, vestida de negro, perdida em lágrimas, sai pela cidade procurando o filho morto. Na sexta, outra procissão, agora com diversas imagens que representam a "paixão". A última delas justamente a do velho e bom "Senhor Morto", com o mesmo véu da minha infância.
Compondo o cenário macabro, os "perdoni" (perdões) que são homens encapuçados que andam lentamente por toda a cidade em duplas, descalços, fazendo penitência por seus pecados. Outra coisa de dar medo. O ritmo é marcado pela banda com suas marchas fúnebres e por uma espécie de matraca que soa avisando para andar ou parar. O caminhar é sempre lentíssimo, arrastado, sofredor. Meio pendular. Tudo coletivo, numa espécie de transe.
Vejam nesse vídeo um pedacinho da ação:
De um ponto de vista cultural, é um espetáculo belíssimo. As imagens são obras de arte. A música é linda. O figurino impecável, compondo com o cenário de uma cidade antiga. O clima é todo composto pra uma reflexão sobre a dor. Mas fiquei imaginando tudo do ponto de vista das crianças que assistiam. E logo me pus a lembrar dos meus arrepios infantis.
Porque criança tem fé cênica. Ainda mais se os símbolos se referem a acontecimentos que lhes juram que sejam absolutamente reais.
Eu olhava os meninos e ficava imaginando o que se passava na cabeça deles. Sobretudo imaginava se aquela experiência teria alguma repercussão na vida deles ou se seria apenas um simples espetáculo como é pra mim hoje (embora ainda me faça sentir certos calafrios, acho que continuo tendo fé cênica). Se se faziam perguntas, se levantavam questões como o menino do texto pseudo-verissimiano. Se sim, como será que os pais respondiam. Ou se não respondiam. Como será que aquelas coisas eram vividas em casa. Que outros elementos eles teriam pra configurar as informações, se tinha um contexto ou não.
Não consegui chegar a nenhuma conclusão. Continuo com uma boa sensação de perplexidade.
_Claudia Souza_
3 comentários:
Bonito, Clau! E ó que chique, vem até com vídeo!
Quintal tecnológico esse, neam? :-))
adoraria que voce falasse mais sobre a fé cênica pois eu tenho uma imagem muito forte ate hoje de um carnaval de rua de paraty de bonecos enormes, e eu literalmente apavorada desesperada , eu tinha menos de 3 anos e essa é a lembranca mais antiga da minha vida... escrevo aqui e a musica daquela noite vem nitidamente ao meu pensanmento....
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