A Paula pediu aqui pra explicar melhor esse conceito.
É um conceito emprestado da Dramaturgia. De fato, o dramaturgo russo Constantin Stanislavski cunhou esse termo pra propor a seus atores que acreditassem muito na ficção e que tentassem buscar dentro de si mesmos elementos emocionais capazes de tornar real o universo ficcional. Assim, um ator stanislavskiano não representa, mas atua, de acordo com seus próprios sentimentos, em favor da personagem. Isso, é claro, provoca no público uma maior crença na verossimilhança da ação. Cada gesto, cada movimento do ator servem para colocar pra fora a verdade do personagem na interpretação. Ter fé cênica, então, é acreditar na cena enquanto é "vivida".
As crianças fazem muito isso, porque como disse muito sabiamente a MaWá aqui, conseguem dançar entre ficção e realidade, "passeiam pela loucura". Nem sempre é fácil. Às vezes saem disturbadas desse encontro justamente por terem acreditado, por terem tido muita fé cênica (lançando mão de muitos sentimentos pessoais) em situações/espetáculos/festas populares que lidam com o absurdo de maneira lúdica. Ou seja, "sabendo" ou não (isso depende da idade) que era uma representação, a realidade dos sentimentos fala mais alto e deixa suas marcas.
É um pouco a coisa de "entrar no jogo" da cena... A gente se diverte muito mais, mas corre o risco de se assustar. O mais interessante é ir puxando o fio da meada do susto: fatalmente você vai chegar num sentimento seu bem escondidinho, que aquela cena ou aquele personagem fazem reviver. A gente não se assusta com tudo que é potencialmente assustador, nem as crianças. O susto, o medo acontecem quando são referidos ao nosso mundo interior. Caso contrário o "assustador" pode ser até cômico. E vice-versa.
Todo mundo se lembra de situações semelhantes quando era criança. Eu me lembro até de uma quando já era adulta! (Uma vez assistindo a um espetáculo do Circo de Todo Mundo, saí literalmente correndo quando uns caras vestidos de gorilas desceram do palco e vieram brincar com a platéia. Foi mais forte que eu, quando vi já estava no corredor! tsc tsc tsc)
Em tempo: a Cibbele entende muito mais de teatro que eu, e está convidada a contribuir pra esse post. Queria muito ter também os comentários do Garrocho sobre o tema.
_Claudia Souza_
É um conceito emprestado da Dramaturgia. De fato, o dramaturgo russo Constantin Stanislavski cunhou esse termo pra propor a seus atores que acreditassem muito na ficção e que tentassem buscar dentro de si mesmos elementos emocionais capazes de tornar real o universo ficcional. Assim, um ator stanislavskiano não representa, mas atua, de acordo com seus próprios sentimentos, em favor da personagem. Isso, é claro, provoca no público uma maior crença na verossimilhança da ação. Cada gesto, cada movimento do ator servem para colocar pra fora a verdade do personagem na interpretação. Ter fé cênica, então, é acreditar na cena enquanto é "vivida".
As crianças fazem muito isso, porque como disse muito sabiamente a MaWá aqui, conseguem dançar entre ficção e realidade, "passeiam pela loucura". Nem sempre é fácil. Às vezes saem disturbadas desse encontro justamente por terem acreditado, por terem tido muita fé cênica (lançando mão de muitos sentimentos pessoais) em situações/espetáculos/festas populares que lidam com o absurdo de maneira lúdica. Ou seja, "sabendo" ou não (isso depende da idade) que era uma representação, a realidade dos sentimentos fala mais alto e deixa suas marcas.
É um pouco a coisa de "entrar no jogo" da cena... A gente se diverte muito mais, mas corre o risco de se assustar. O mais interessante é ir puxando o fio da meada do susto: fatalmente você vai chegar num sentimento seu bem escondidinho, que aquela cena ou aquele personagem fazem reviver. A gente não se assusta com tudo que é potencialmente assustador, nem as crianças. O susto, o medo acontecem quando são referidos ao nosso mundo interior. Caso contrário o "assustador" pode ser até cômico. E vice-versa.
Todo mundo se lembra de situações semelhantes quando era criança. Eu me lembro até de uma quando já era adulta! (Uma vez assistindo a um espetáculo do Circo de Todo Mundo, saí literalmente correndo quando uns caras vestidos de gorilas desceram do palco e vieram brincar com a platéia. Foi mais forte que eu, quando vi já estava no corredor! tsc tsc tsc)
Em tempo: a Cibbele entende muito mais de teatro que eu, e está convidada a contribuir pra esse post. Queria muito ter também os comentários do Garrocho sobre o tema.
_Claudia Souza_
4 comentários:
Um tema intessante!
Andei matutando com ele por um tempo também... Há coisas e coisas aí, não é?
Na linha de Stanislavski, Eugênio Barba diz, a respeito do jogo ficcional do ator que "não acredito porque é verdade, mas é verdade porque eu acredito".
Costumamos remeter tudo isso à infância. Ou seguindo Piaget: a criança do simbolismo - do faz-de-conta etc. Ou que ele chama de jogo-de-ficção. Coisas assim...
Mas daí surgem novos problemas: deduzimos o teatro disso... Tudo certo, mas já se trata de outro plano...
Vejamos: a "função fabuladora". Deleuze via Bergson mostra o jogo entre representação e formação social. Que os homens formem sociedades - há uma função, uma operação racional aqui: organizar interesses - um função da inteligência etc. Mas Deleuze nos lembra que a sociedade não assenta na inteligência ou no racional: a obrigação moral não tem nada de racional, antes roça o delírio...
Assim, temos necessidade de deuses. Haveria uma intervalo entre inteligência e sociedade - uma pequena hesitação... A fabulação agiria aí... A sociedade se faz obedecer via recurso às fabulações...
Assim: a inteligência hesita e se rebela (egoisticamente) frente às exigências da sociedade (de suas necessidades etc.), mas entra um processo circular, pois esse intervalo (que chamo de "perigoso") é logo resolvido pela ação da sociedade via fabulação - obrigando absurdamente, ou irracioalmente a inteligência a se conformar...
Portanto, esta aí a crença... A fé... Os deuses...
Para Bergson, continua Deleuze, será a emoção que entrará no intervalo entre inteligência e sociedade de modo criador.
E é a emoção que difere tanto da inteligência quanto do instinto, tanto da obrigação social (que não se funda em racionalidade nenhuma, mas numa fabulação) e do egoísmo individual.
Melhor citar Deleuze: "a emoção é criadora (primeiramente porque ela exprime a criação em sua totalidade; em seguida, porque ela própria cria a obra na qual ela se exprime; finalmente, porque ela comunica aos espectadores ou ouvintes um pouco dessa criatividade)."
A emoção não tem nada a ver com as obrigações sociais e nem com um indivíduo que contesta. Ela é a "gênese da intuição na inteligência" - ela é uma ação. Assim, a mística: "atividade superabundante", como a arte, "o que ela inventa é uma expressão"... Assim pensa Bergson.
Do la de cá, não penso mais que a "fé cênica" seja um problema fecundo. Estamos mais próximos desses planos delirantes... De emoções criadoras... Não pensamos nisso quando falamos de música e nem de dança... Ninguém pergunta se um bailarino "acredita" na sua dança... Mas sim se ele realmente dança... E assim penso com o menino/menina quando brincam: vivem emoções criadoras.
A fabulação, pode ser uma outra história nesse processo, não?
Abraços
Otimo! muito obrigada!
O bom de ser amigo do Garrocho é isso, a gente pede um comentário e ele nos presenteia com um texto belíssimo e com ótimas referências de leitura! Obrigada, Garrocho.
Eu acho maravilhoso você constatar que "estamos mais perto desses planos delirantes" mas infezmente não vejo tantas pessoas assim... Os artistas, os brincantes, alguns cientistas conseguem dançar realmente. Mas o mundo continua cheio de gente que se esforça. Principalmente dentro das escolas.
Sobre a fabulação, é um tema interessante que podemos pegar pra um próximo post. Topa, Cibbele?
Acabei de chegar do feriado...pegando o bonde andando...muito boa a contribuição do Garrocho...Bom, fé cênica vem do termo do teatro, mas já virou uma expressão cotidiana, então, por mais que a teoria do teatro alcance outros vôos, ela fica aí, vagando pela feira...
Sobre essa "fé cênica" infantil, li uma crítica do Jorge Amado ao pó de pirlimpimpim do lobato, excelente! Ele dizia que era uma bobagem que as crianças do sítio precisassem do pó para fantasiar. De certa forma, Jorge Amado criticava a fé cênica e defendia a emoção criadora. Uma relação muito mais complexa e que supera essa idéia dicotômica de fantasia x realidade.
Clau, saudade docê! Eu topo...
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