As crianças dizem muito isso:
- Foi de verdade!
- Vamos fazer de mentirinha?
Elas sabem distinguir um "estado" do outro. Não existe hierarquia, nem virtude, nem moral entre ambos. As crianças gostam tanto do "mentirinha" quanto do "de verdade" na hora de brincar. Se estão jogando queimada e aparece uma dúvida do que aconteceu DE FATO (queimou ou não queimou?) aparecem sempre os juízes de olhos de lince pra apontar "a realidade" (=o que eu vi/interpretei) a despeito de tudo. As crianças querem seguir as regras ao pé da letra. Mas se estão brincando de casinha, ou de médico... "mentir" é a ordem do dia. Basta que seja feito um tipo de contrato entre quem brinca: se o jogo é "de verdade" ou é "mentirinha". Tudo resolvido.
O tempo do "mentirinha" é todo alterado. Parece que flutua, nunca É, mas ERA.
- Então eu era a mãe.
- E aí eu saía da casa e ia fazer as compras.
O espaço é amplo, mágico, onipotente, o mundo gira em torno de quem atua. Os objetos assumem outras funções, as palavras outras significâncias muito mais pessoais. As ações vão se desenrolando ao bel prazer de quem as faz mas também de todo mundo (e aí pode ser que resida a socialização, dentro de um emaranhado tão subjetivo). Parece uma realidade paralela, mas é tão real quanto o que a gente sente. Aqueles sentimentos lá no fundo do peito, aqueles que a gente prefere guardar, aparecem e "de mentirinha" são sempre bem-vindos.
É estranho pensar que, pra entrar num contato estreito com os nossos sentimentos, a gente precise "mentir". Será que a Razão não comporta as interpretações pessoais e sensíveis da Vida?
_Claudia Souza_
terça-feira, 14 de abril de 2009
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12 comentários:
Boniiito...o repouso te fez bem, heim sócia!
Então, é...a gente precisa mesmo...até a gente grande precisa...acho que não só não damos conta de toda realidade via razão, isso é, ela fica muito dolorida e difícil de ser admitida...como também a própria realidade se nega a ser apreendida via razão. Ela é muito maior...Por exemplo, os sentimentos muito fortes ficam muito mal representados via razão, vc não acha? Pra eles é melhor a poesia. Por isso que eu disse lá atrás que o belo sem a verdade não é belo!
Eu lembrei de uma coisa...A minha filha sempre acreditou em Papai Noel, Coelhinho da Páscoa e tals, assim, desacreditando. É como se ela fingisse pra ela mesma...
Esse ano ela olhou bem no meu olho e disse que um colega havia contado que coelhinho não existia e que os pais é que compravam os ovos. Depois emendou: Então, mãe, qual é a verdade.
Se de outras vezes ela me questionou já meio que dando a resposta, dessa vez ela manteve o olhar em mim, firme. Emendei com a frase que de outras vezes já havia me tirado da forca: existe pra quem acredita. Mas dessa vez ela não ficou satisfeita_ "Existe ou não, mãe? Qual é A verdade?"
Eu enrolei pra pensar mais sobre, mas tenho achado que ela quer mesmo sair do jogo.
O que vc acha, Clau?
Então, sócia, eu nunca me deparei com esse tipo de coisa porque a)sou um ser muiiiiito racional ha ha b)sou completamente agnóstica e c)sempre tive implicância por datas comemorativas portanto nunca-nunquinha falei de Papai Noel e/ou Coelho de Páscoa pra criança nenhuma, muito menos pro meu filho. Mas eu ACHO que, numa pergunta dessas, vem implícita uma domanda de FACTUALIDADE. Ou não?
Pensando no teu outro comentário, de cima: então a Verdade é "de mentirinha", né? :-))
Eu estou intuindo que ela quer a verdade, sim...Sob pensa de se sentir enganada...
Então, aqui em casa tem papai noel e coelhinho da páscoa, mas eu confesso que mais por imposição social. Tanto é que a Ciça sempre intuiu a minha falta de fé cênica, digamos assim...e sempre acreditou desacreditando. Eu conheço crianças que chegaram a VER o coelhinho, tamanha fantasia em cima do troço. Há uma confusão, como se tirar essas fantasias da criança fosse tirar delas a prórpia infância...
Agora, me explique...como vc conseguiu manter essa postura numa intituição educativa? Por que se até eu senti a pressão na educação da MINHA filha, quiçá vc a frente de um centro de cultura.
Com 6 anos completos, acho que não só a ciça, mas até os pais dela, estão sentindo falta de realidade...
Taí...a verdade é de mentirinha, sim...
Não foi fácil não! Principalmente no Ralôin ha ha ha Mas eu segurava a peteca. Eu sou meio radical nessas coisas de imposição social. Sempre penso que, se eu começo a não fazê-las, pode ser que um dia não existam mais. Diferente, claro, é comemorar Natal, Páscoa, etc e seus símbolos todos, sendo religioso.
Ô, Clau, já que a gente já puxou o banquinho...xô passar um café quentinho...
Pois então, o problema de não acreditar em nada e de ser crítico demais a essas datas, é que de certa forma elas encantam as crianças...falta alguma coisa pra colocar no lugar...sem ser fé religiosa ou festividade comercial...os meus silêncios estão sendo preenchidos pelo que eu não acredito...chaaaato...
Cibbele, mas não é "não acreditar em nada", eu acredito num mooooonte de coisas. Em coisas encantadoras então, como acredito! São só coisas diferentes dessas que a sociedade impõe. Mas são. Tem de procurar, de olhar.
Não acho que a razão comporte todas as nossas necessidades, pois ela é muito ligada à moral.
Na "mentirinha", nos damos licença para ir além da moral, além da razão, praticamente uma visita à loucura. As crianças transitam tranquilamente entre a loucura e a razão - e não há nenhum problema nisso. Só que, nós, adultos, não nos deixamos entrar tanto na loucura.
Conheci esse blog hoje e estou adorando. Trabalho como palhaça de hospital e consigo ver diversas cenas como as aqui descritas. Parabéns!
Mawá,
Muito bem vinda ao quintarola! Eu sou atriz e vou te falar que a minha pequena experiência com o clown é uma das coisas mais ricas que ganhei com o teatro.
Apareça mais pra contar sobre a sua experiência com o hospital...
Abraços
MaWá, que bonito seu comentário. Obrigada. Eu tb já fiz um curso de palhaço (com o Rodrigo Robleño em Belo Horizonte) e foi muito interessante. Acho uma linguagem extraordinária, muito difícil, muito delicada e muito sensível. Penso que o que impede a maioria dos adultos de fazer esse trânsito que você falou seja a neurose. Quanto mais conseguimos sair dela, mais seremos capazes de fazer como as crianças (não que não existam crianças neuróticas, infelizmente).
Apareça sempre! Abração.
Ontem, eu ouvi uma ótima:
_Foi legal? Você brincou de quê?
_Brinquei que eu era princesa...depois, de queimada, mas aí era assim...brincadeira de verdade...
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