segunda-feira, 13 de abril de 2009

Guarda-roupas e armários


foto minha

Quando damos aos objetos a amizade que convém, não abrimos o armário sem estremecer um pouco. Sob sua madeira ruiva, o armário é uma amêndoa muito branca. Abri-lo é viver um acontecimento de brancura. Gaston Bachelar

O lugar onde eu mais gostava de me esconder era no armário do meu irmão. Atrás das calças dependuradas no calceiro, eu me esquecia de mim, cercada pelo cheiro das roupas passadas e organizadas. O guarda-roupa da minha infância não tinha cheiro de passe bem, nem de lavanda, nem de naftalina. Tinha cheiro de madeira e de gente.

A Lúcia, por exemplo, foi se esconder num guarda-roupa que não era da casa dela e parou em outro mundo. Já a minha afilhada Ana Luisa, ficou com medo do guarda-roupa da casa da minha mãe e me fez me esconder de novo ali com ela fortemente abraçada ao meu pescoço.

Os guarda-roupas são órgãos vitais numa casa. Neles guardamos nossas intimidades e nossas memórias-gavetas. Os armários das crianças possuem particularidades_ São sempre povoados por roupas de uma só primavera. Contra o tempo e o crescimento acelerado delas, as barras sobem e descem e os joelhos ganham remendos. As costureiras que se dedicam a reformar roupas (profissionais quase tão raras quanto os ambulantes amoladores de facas), são grandes amigas da infância. Às vezes, as crianças se apegam a alguma peça (ou circunstância) que não lhes cabe mais. Usam assim mesmo, acima das canelas ou mostrando o umbigo. Até que chega uma hora em que não tem mais jeito, é preciso mudar de casca.

Alguns pavores das crianças : roupa nova e roupa de irmão mais velho. Roupa nova porque etiqueta espetando e experimentar são duas coisas chatas demais. Roupa do irmão mais velho porque dificulta a árdua tarefa que é se diferenciar do maior e porque até que de vez em quando, roupa nova é bom...mesmo com etiqueta espetando e tendo de experimentar. Ah, e quando dois irmãos são igualmente vestidos? Eu não gostava...
Se bem que às vezes, surrupiar a roupa do mais velho só pra ter o gostinho de ser maior pode ser providencial (ver o conto "Os Quedes Vermelhos da Tchi", do já aqui exaustivamente citado, Ondjaki). E passar horas desfilando com as roupas e os sapatos da mãe? A minha vivia cheia de anéis que ela retirava cuidadosamente antes de cozinhar e guardava em cima da pia de mármore branco. Eu gostava de subir num banquinho feito pelo meu avô e experimentá-los nos meus dedos, mesmo sabendo que ainda não me serviam. Nem só de tempo encurralado vive a infância.

Desconfio que as crianças que andam muito na moda, que seguem a efemeridade da moda e obedecem à risca os símbolos adultos, não poderão brincar com o tempo e talvez deixem escapar pra sempre a chance de se perder entre casacos e se achar coroada _ a destemida.
_Cibbele Carvalho_

3 comentários:

Claudia Souza disse...

Lembrei das brincadeiras de esconde-esconde dentro de casa em dias de chuva. Eu ia quase sempre pro maleiro, aquele lá no alto que todo mundo esquece que tem :-))

cibele carvalho disse...

No maleiro??? Corajosa!

::Fer:: disse...

Eu lembro da sensação boa de herdar roupa da irmã. Significava que eu já era "grande".

 
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