As meninas – Diego Velasquez, 1656 – Museu do Prado, Madrid
A menina é um corpo de porvir. Não deve apenas crescer, como o menino, mas transformar-se para adquirir um gênero. A menina é um ser sexuado sem o layout de gênero.
Tornar-se mulher requer um esforço duplo: ir adquirindo o fenótipo feminino (e habituar-se a ele) e ao mesmo tempo identificar-se com os modelos existentes de feminibilidade de sua cultura para construir sua sexualidade.
Nem por isso a menina está invulnerável ao massacre cultural que recebe o corpo da mulher. Os jornais estão cheios de tristes notícias.
Sabemos que o corpo da mulher, associado ao demoníaco, está e sempre esteve à marcê do homem. É ele que o encobre ou o desnuda. É ele que o violenta, que o agride (chegando a mutilá-lo, como em algumas culturas africanas, com o consentimento das outras mulheres já mutiladas) ou que o submete reduzindo-o a enfeite. A mulher é ainda coisificada, mesmo depois de tanta luta, e de alguma conquista.
A maior parte das mulheres adultas (que a menina ocidental média vê), embora se considere emancipada, aceita esta condição e perde sua identidade em favor do olhar alheio, enquanto anula os traços de sua expressão e as marcas da vida (fazendo-se de alvo para a cirurgia plástica), ou encobre suas imperfeições, querendo ser “bela”. Pasteurizada, veste a capa de produto que lhe foi designada e desfila seus órgãos pelo cenário patético da artificialidade.
A menina, crescendo ou desde já, terá este corpo como referência e o tomará como seu em potência? Ou terá/buscará outros modelos? Está e estará sob o risco da anorexia, da bulimia, da depressão por não ser/parecer perfeita, por não ser reconhecida como “bela” ou “casta”? Ou compreenderá que na face pode levar as expressões de seus sentimentos e no corpo as marcas de sua história como qualquer ser humano?
A menina estará sob o risco de olhar-se no espelho e não se ver?
_Claudia Souza_
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