Alguns livros e autores gostam de se aproximar dos limites morais. Nada mais saudável. É no limite que surgem as questões e a literatura que levanta perguntas se mostra bem mais legal do que a literatura que assenta certezas. A estética e a ética parecem ser mesmo os domínios onde a opinião de cada um pode se apresentar com mais conforto. Onde a opinião de cada um dialoga com a do outro, sem necessariamente se misturar a ela. Há extremos. Principalmente na ética. Ainda que os universais estejam em franca decadência, eticamente precisamos negociar um pacto de convivência pacífica, se não quisermos cair num relativismo absoluto.
E a literatura infantil? Sabemos que ela caminhou de um período muito moralista para uma atualidade em que convivemos ao mesmo tempo com a tentativa de preservação da infância e a exploração desses limites do infantil, ou até da ameaça de sua extinção como afirma Neil Postman. A infância estranha, a infância não tão pura, a infância nada idílica. (Sobre isso, falamos nesses dois posts)
Em algumas obras as crianças são verdadeiramente subversivas. Textos amorais e por vezes até imorais. Tem o bem que aniquila o mal com requintes de crueldade. Parece paradoxo? Numa leitura mais superficial, sim, mas se levarmos em conta os recursos simbólicos de que a leitura infantil lança mão, não. Há ainda obras em que, nem mesmo o simbólico, resguarda sua dimensão moral.
A Ana Paula e a Paula, professoras do Libertas, me mostraram um livro exemplar nessa discussão: "O menino que gritava:_Olha o Lobo!". Pra explicar o nó do livro, eu teria de contar a história todinha, até o fim, e como isso não se faz, fica a sugestão de leitura. Só digo que o Lobo ganha e o menino se dá mal...
Aqui tem um trechinho de uma entrevista do autor Tony Ross, em que ele explica a vitória do Lobo. Segundo o autor, o Lobo ganha porque ele é um cara legal, o menino é que mentia. Eu não vi "legaleza" nenhuma no Lobo. Só porque ele era de finos modos? Aliás, são justamente os finos modos do rapaz que tiram dele seu único álibi: a possibilidade de matar para saciar seus instintos. Esse Lobo consegue combinar requintes de maldade e banalidade. Por mim, o destino dele não seria outro que um caldeirão fervendo ou a mira da espingarda do caçador!
E se ninguém ainda perguntou o nome do Lobo, como diz uma passagem do livro, deve ser, justamente, porque ele aparece em histórias em que as personagens são arquetípicas, não? Ou por que a única menina que resolveu fazer perguntas a um Lobo terminou devorada por ele, travestido de sua vovozinha.
Pra discutir,o livro é ótimo, mas se o pressuposto for esse, não se trata, definitivamente, de um livro para crianças muito pequerruchas, cuja leitura ainda está marcada pela falta de distinção entre o real e fantasia.
Num mundo em que as fronteiras entre os conteúdos adequados à infância andam embaçadas, percebo cada vez mais a necessidade da mediação do adulto na cultura produzida para crianças. Não é porque está na prateleira dos infantis, que os livros são inofensivos. Não é porque está escrito que é bacana. Além disso, na categoria infantil cabem idades muito diferentes. E nas idades cabem várias individualidades.
Acho que não gostei desse livro, não...Obrigada Paula e Ana Paula pela oportunidade de pensar com vocês...
_Cibele_ que depois de sumir na semana passada porque o pc foi parar no técnico, voltou definitivamente verborrágica.
2 comentários:
Se a gente pensar na Ética da cultura popular, aí que dá mais nó na cabeça ainda...
Ah, é...na cultura popular é mais difícil de pensar...porque não dá pra politizar a cultura... então a mediação do adulto fica mais necessária ainda, né?
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