quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Internet, infância, horror, cantigas de ninar e dominação cultural

Joshua Hoffine

Não deve haver uma só pessoa que não tenha recebido o clássico e-mail da(o) brasileira(o) que trabalhou no exterior cuidando de crianças, e percebeu, através dos olhos da americana dona da casa, o horror nas cantigas de ninar brasileiras. Mais um texto sem autor. Um mito que circula na internet, como tantos outros, muitas vezes atribuídos a autores consagrados.

Aqueles que veem nas letras a força da lei e nelas creem incondicionalmente, acabam mantendo uma relação de dominação com a internet e consequentemente, pelas infinitas asneiras que circulam nela. As novas gerações precisarão aprender a selecionar, num mundaréu de quinquilharias, aquilo que lhes serve.

Nesse caso específico, do e-mail sobre as cantigas brasileiras, uma pesquisa rápida pelo google nos faz ver que o texto circula tanto com o narrador feminino, quanto com o masculino. Uma das marcas registradas do disse-me-disse internético.

O assunto do texto me lembrou de um livro muito bonito, de nome O Acalanto e o Horror. Nele, a autora Ana Lúcia Cavani Jorge atribui ao bicho papão e a outros seres amedrontadores, o papel do Outro, da Lei, da Cultura, daquele que faz a interdição na relação mãe e filho. O bicho-papão antecipa a separação realizada no pai, no irmão, no trabalho da mãe, na noite, no sono. Nas cantigas de ninar, as ameaças são belamente ditas assim:

boi, boi, boi, boi da cara preta...

ou

papai foi pra roça, mamãe foi trabalhar...

ou

tutu marambá, não venha mais cá

Eu não conheço as cantigas de ninar estadunidenses, tampouco a cultura popular do país, mas dado que se trata do berço do politicamente correto, não deixa de ser interessante notar a coincidência geográfica entre o moralismo puritano e um país extremamente bélico. Entre a docilidade brasileira (pra lembrar de Giberto Freyre) e o Tutu marambá.

Por mim, continuaremos atirando o pau no gato.

Sobre o mesmo e-mail, também falou Hélio Consolaro.

Sobre terror e infância, é desconcertante o trabalho de Joshua Hoffine.

Sobre os crimes cometidos por crianças em escolas americanas, o livro Precisamos Falar sobre Kevin.

Sobre o sono infantil, arrisquei algumas linhas aqui.


_Cibele_

2 comentários:

Claudia Souza disse...

As canções de ninar amedrontadoras não são especificidade da cultura brasileira. Dei uma olhada nas "ninna nanna" italianas e, além daquelas bonitinhas de estrelinhas, etc encontrei textos desse tipo também... Uma delas fala de separação explicitamente:
Ninna nanna, ninna oh,
questo bimbo a chi lo do?
Lo darò alla Befana
Che lo tiene una settimana
Lo darò all’orso Nero
Che lo tiene un anno intero
Lo darò all’orso Bianco
Che le tiene finché è stanco
Lo darò al Saggio Folletto
Che lo renda Uomo perfetto!
(A quem dou este menino? ao urso negro e branco, à Befana (um tipo de bruxa tradicional daqui),e cada um ficará com ele por um tempo até que o duende fará dele um homem perfeito, ou seja, criará o menino com sabedoria).

Cibele disse...

Ah, que legal, Clau! Eu ia mesmo te perguntar isso...Mais uma prova de que esse e-mail é uma bobagem.

 
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